quinta-feira, 27 de junho de 2013

Um outro lado do debate sobre drogas – Dois documentários para além da visão moralista e repressiva


Nesses últimos anos o debate sobre a questão das drogas e do crime tem tomado proporções interessantes. A visão tradicional da “Guerra contra as Drogas” ainda é, com folgas, a que se sobressai na opinião popular e que é reiterada diariamente em telejornais policiais que fazem da violência espetáculo, por revistões semanais e por filmes do cinema nacional (Tropa de Elite 1 sendo o principal exemplo, serviu para iniciar um processo de mitificação das operações policiais repressivas nas favelas). O lado menos conservador do debate segue sendo silenciado ou até ridicularizado por discursos como “ta com pena do traficante? Leva pra casa”.
Nesse misto de silenciamento e ridicularização uma visão menos conservadora sobre o tema tem curto alcance e o cidadão médio acaba adotando o discurso  de que usuário é “sem-vergonha” e que o problema do tráfico é apenas falta de polícia nas favelas. Os discursos que trazem à tona as questões das desigualdades sociais, da exclusão e da ausência do Poder Público em ceder educação, saúde e segurança as classes mais pobres (o que termina por brutalizar as relações sociais), não tem tanto espaço e sempre são entendidos como defesa de bandido.
Recentemente foram lançados dois documentários que trazem uma nova visão sobre o tema, que defendem que a política de “guerra contra as drogas” é um retumbante fracasso e que a descriminalização do consumo e a liberação da compra e venda de drogas seriam uma boa solução para os problemas gerados pelo tráfico.
O primeiro documentário que indico aqui é “Quebrando o Tabu” de 2011. Ancorado por Fernando Henrique Cardoso (o que dá muito peso ao filme) foi o documentário sobre o tema que teve maior destaque, apesar de ficar restrito a nichos. A proposta do filme é mostrar novas formas de tratamento e combate consciente ao uso de drogas. Trocando em miúdos, o documentário defende que uma política de conscientização sobre o efeito das drogas, baseado em dados científicos e não na promoção do pânico social, seria uma forma eficaz de afastar as pessoas do consumo de entorpecentes. Além disso, o documentário também defenda a “política de redução de danos” como forma de tratar usuários em estado comprovado de perda da razão pelo uso compulsivo de drogas.  
Quebrando o Tabu é ancorado pelo ex-presidente e sociólogo Fernando Henrique Cardoso

O segundo documentário é “Cortina de Fumaça”, produzido de forma independente e sem a mesma repercussão do primeiro, mas é o melhor dos dois. Tem a virtude de trazer bons expositores sobre o tema e consegue traçar uma bela linha do tempo sobre o processo de criminalização das drogas (muitas drogas estigmatizadas hoje, como a cocaína e a maconha, eram liberadas menos de 100 anos atrás). O documentário sugere que por trás das proibições estão questões raciais, nacionais e étnicas, e que a “guerra contra as drogas” criada pelos EUA a partir do governo Nixon tomou proporções globais devido a ação dos governos estadunidenses.
"Cortina de Fumaça" é menos conhecido do que "Quebrando o Tabu", mas é mais incisivo na denúncia dos supostos intereses por trás da criminalização das drogas

São dois documentários muito bons, dos melhores já produzidos sobre o tema e com uma argumentação muito coerente, mas não significa que sejam exatos, que tenham respostas definitivas. Os dois filmes usam exemplos de programas alternativos de combate as drogas e de tratamento de usuários vindos de outros povos e outros contextos que são em muitos casos completamente diferentes do nosso. Não consigo achar que um projeto desenvolvido na Holanda, por exemplo, se encaixaria perfeitamente no Brasil. São sociedades muito diferentes, com populações diferentes (em tamanho e formação cultural) e com realidades sociais distintas. Por isso é bom também ver com reservas as propostas do filme pra não repetir o estereótipo do “intelectual de botequim” que vive a achar que tudo que é aplicado em outros países deve ser copiado inadvertidamente por essas bandas.
Mas o maior acerto dos filmes é mostrar que a política de Guerra às Drogas conseguiu apenas fortalecer organizações criminosas que a cada dia tornam-se mais ousadas e portadoras de uma logística impressionante. Além disso, os dois documentários, principalmente o Cortina de Fumaça, fazem um alerta de como o pânico social gerado pelo alarde feito contra o consumo de drogas tem feito nossa sociedade encarar os abusos dos instrumentos de repressão do Estado (leia-se polícia)  como se fossem um “mal menor”.  É urgente pensar se nossa sociedade não está trocando a sua liberdade por uma falsa sensação de segurança.
São dois bons documentários e trazemo-los aqui para instigar debates. Particularmente não tenho uma opinião formada sobre o tema, não me sinto confortável ainda para opinar sobre eles de forma mais incisiva.
Mas vale assistir, faz pensar bastante e é sempre bom ver algo que destoe da linguagem verborrágica, populista e intelectualmente desonesta que vem sendo divulgada pelos jornais televisivos sensacionalistas.

Mário Júnior

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